Sergipe tem 76,6% de suas crianças e adolescentes vivendo na pobreza e na extrema pobreza. Precarização dos serviços públicos é fator determinante

A pobreza tem múltiplas dimensões, Para além da escassez de dinheiro, a pobreza no Brasil é um grande prisma atravessado por uma série de privações, exclusões, vulnerabilidades e negações de direitos, como alimentação, educação, renda, trabalho infantil, moradia, água, saneamento e informação, entre outros, e que afetam de maneira mais violenta as crianças e adolescentes.

No Brasil, mais de 32 milhões de crianças e adolescentes com até 17 anos vivem na faixa da pobreza e da extrema pobreza, o que corresponde a 63% da população total nessa faixa etária. Em Sergipe, o cenário é ainda mais grave, com 76,6% de crianças e adolescentes enfrentando privações, seja em nível intermediário (de maneira limitada ou de má qualidade) ou em nível extremo (sem acesso nenhum).

É o que aponta o estudo inédito “As Múltiplas Dimensões da Pobreza na Infância e na Adolescência no Brasil”*, divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil, conduzido com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) de 2019.

O estudo também revela que, entre os indicadores que compõem a pobreza multidimensional, três deles tiveram piora expressiva com a pandemia da Covid-19: alimentação, educação e renda. Entre os grupos mais impactados estão a população negra, indígena e os moradores das regiões Norte e Nordeste são os grupos mais impactados.

De maneira geral, o estudo da Unicef traz informações já conhecidas e sentidas por quem minimamente observa a realidade política, econômica, social e ambiental e mais ainda por quem sente no corpo a dor da fome, por quem enterra uma pessoa querida que esperava por uma cirurgia ou por quem sente a frustração de fechar o mês sem conseguir pagar as contas básicas. Não são problemas recentes, muito pelo contrário.

Mas, a apresentação e o entendimento desses dados são essenciais para compreender quais são as dimensões da pobreza que têm se revelado com maior incidência para orientar a criação e o fortalecimento de políticas públicas intersetoriais. Ou seja, que integram e são conduzidas por diferentes pastas, como educação e assistência social.

“A população sergipana cresceu bastante e os investimentos não acompanham”


Para a assistente social Maísa Aguiar, que é mestra em Políticas Sociais e Serviço Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e atua na Rede de Atenção Psicossocial de Aracaju, o estado não difere do cenário nacional de empobrecimento da população, com alguns agravantes. “Sergipe acompanha a tendência nacional de um empobrecimento da população, e não só das pessoas que estão na pobreza e na extrema pobreza. Mas também da classe média. A pandemia trouxe algumas consequências bem sérias para a economia do país, mas enfrentamos também um governo federal fascista e que de forma nenhuma priorizou os investimentos sociais públicos. Muito pelo contrário, o que se pode retirar, foi retirado da classe trabalhadora, principalmente a classe de renda menos favorável”, afirma Maísa.

Com relação ao caso específico de Sergipe, onde a média de crianças e adolescentes em situação de pobreza é ainda mais desesperadora do que a média nacional, a assistente social destaca um histórico de escolhas governamentais como fator determinante. “A população sergipana cresceu bastante e os investimentos não acompanham. Neste período de pandemia, nós tivemos um aumento muito grande do desemprego, muitas famílias que já tinham saído da linha da pobreza, passaram para a linha da extrema pobreza. Aumentamos a demanda por benefícios sociais que não existem mais ou são insuficientes. Com isso, temos cada vez mais crianças e idosos em insegurança alimentar, sem acesso aos serviços básicos de saúde e de assistência social, como os CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e os CREAS (Centro de Referência de Assistência Social)”, aponta Maisa, que também é pós-graduanda em Saúde Mental e Atenção Psicossocial pela Fiocruz/RJ.

O empobrecimento de uma população que enfrentou uma crise sanitária, ambiental e de saúde de proporções globais e um governo federal que se caracterizou pelo desmantelamento de políticas públicas sociais é o reflexo de um projeto de poder violento que não governa para as pessoas, mas para o lucro de determinados grupos sociais já historicamente favorecidos pela formação econômica e cultural do Brasil. E que é reproduzido em Sergipe pelo Governo do Estado e pela Prefeitura de Aracaju.

Em abril deste ano, a Assembleia Legislativa de Sergipe aprovou o projeto de Lei nº 150/2023, encaminhado pelo governador Fábio Mitidieri (PSD) e que autoriza o Estado a privatizar os serviços públicos, ou seja, fazer concessões à iniciativa privada, maquiado de “parcerias público-privadas”. E Aracaju, o prefeito Edvaldo Nogueira (PDT) segue no mesmo barco.

“Nós estamos com um projeto tramitando aqui em Aracaju, que destina mais de R$ 2 bilhões para um banco internacional gerir parte do SUS-Aracaju. Quando a gente fala de empresa privada gerenciando o serviço público, a gente fala de não-direito, de violação de direito, porque a gente sabe que isso é às custas de ou se precarizar o serviço público ou diminuir o acesso da população ou ainda precarizar o salário do trabalhador que precisa alimentar seus filhos, garantir a educação. É uma desvalorização muito grande do serviço público, com várias categorias na luta pelos seus pisos salariais, que são determinados pela legislação, mas que aqui não se cumpre. Há muito tempo não se tem concurso público em Sergipe, isso faz com que as políticas públicas fiquem descontinuadas e as crianças e adolescentes não tenham o devido acompanhamento no CRAS de seu bairro, por exemplo”, explica Maísa.

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