ONU: Bolsonaro fala em "proteção das mulheres", mas cortou orçamento de combate à violência
Em seu quarto discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), nesta terça-feira (20), o presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou um tom eleitoral, com aceno às mulheres. O chefe do Executivo Federal citou medidas direcionadas ao público feminino e exaltou o trabalhado desenvolvido pela primeira-dama Michelle Bolsonaro.
"Trabalhamos no Brasil para que tenhamos mulheres fortes e independentes, para que possam chegar aonde elas quiserem. A primeira-dama, Michelle Bolsonaro, trouxe novo significado ao trabalho de voluntariado desde 2019, com especial atenção aos portadores de deficiências e doenças raras", afirmou Bolsonaro na sessão de abertura da 77ª Sessão da Assembleia Geral da ONU, em Nova York, nos Estados Unidos.
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"Quero também destacar aqui a prioridade que temos atribuído à proteção das mulheres. Nosso esforço em sancionar mais de 70 normas legais sobre o tema desde o início de meu governo, em 2019, é prova cabal desse compromisso. Combatemos a violência contra as mulheres com todo o rigor. Isso é parte da nossa prioridade mais ampla de garantir segurança pública a todos os brasileiros. Os resultados aparecem em nosso governo: queda de 7,7% no número de feminicídios e diminuição do número geral de mortes por homicídio. Em 2017 eram 30 mortes por 100 mil habitantes. Agora são 19", concluiu.
Na realidade, porém, o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos reservou para 2022 para medidas de enfrentamento à violência contra a mulher o menor orçamento desde o início da gestão do governo de Jair Bolsonaro (PL). A informação está presente na nota técnica Análise do orçamento das políticas públicas para as mulheres – 2019 a 2021, produzida pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), divulgada em 8 de março, o Dia Internacional da Mulher.
No relatório, Carmela Zigoni, assessora política do Inesc e autora da nota técnica, afirma que a impressão é de que existe uma prioridade às pautas "ideológicas e moralistas fortalecidas na figura de Damares Alves e seus delírios de princesa, além do uso político de vítimas de violência sexual e outros impropérios".
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No total, foram alocados cerca de R$ 5,1 milhões para o enfrentamento à violência e promoção da autonomia, R$ 8,6 milhões para as Casas da Mulher Brasileira e 29,4 milhões para o Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher, neste ano, totalizando aproximadamente R$ 43,1 milhões.
Orçamento em outros anos
O relatório também mostra que em 2021, a pasta executou R$ 71,1 milhões com políticas para as mulheres, superando os R$ 61,4 milhões autorizados. Numa análise mais detalhada, no entanto, 49,4% desses R$ 71,1 milhões se referem a contratos firmados em anos anteriores. Em outras palavras, apenas 51,6% do orçamento previsto para 2021 foi gasto.
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"Ainda assim, esta foi a melhor execução no tema mulheres nos três anos da gestão de Damares Alves à frente do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que tem como responsabilidade implementar políticas de enfrentamento da violência e promoção de direitos das mulheres", aponta o Inesc. Em 2020, a pasta executou apenas R$ 38,9 milhões de R$ 132,57 milhões, cerca de 30%. Em 2019, foram R$ 53,3 milhões executados de um total de R$ 71,9 milhões alocados, aproximadamente 73%.
Em ano de pandemia...
Na análise de Zigoni, os números mostram como a gestão de Damares Alves é "ineficiente para executar os recursos de políticas para as mulheres nesses últimos três anos, porque vem sendo recorrente essa sobra, principalmente em 2020".
O orçamento público recebeu, em 2020, incrementos devido à pandemia de covid-19, com a aprovação de créditos extraordinários em todas as áreas para enfrentar as crises sanitária e econômica. "Deixou-se de gastar 70% do recurso. Foi o maior recurso alocado dessa gestão para políticas de mulheres e só foi gasto 30%", afirma Zigoni. Cerca de R$ 93,6 milhões não chegaram aos Estados e municípios para financiar a rede de atendimento e proteção às mulheres.
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"O Ministério não pode economizar. A pasta tem aquele recurso naquele ano para gastar. Se não gasta, isso volta pra conta do tesouro, ou seja, para os cofres do país. Na medida em que a lei orçamentária anual autoriza o Ministério a gastar, a pasta tem de fazer o impossível [para investir]. É papel da gestão pública executar esse recurso para que sejam oferecidos os serviços para a população."
Sobre o cenário, a pesquisadora afirma que a sociedade civil deve estar organizada para monitorar e controlar o uso do orçamento público.
Em 2021, o Brasil registrou um feminicídio a cada sete horas. No total, foram 1.319 vítimas, 2,4% a menos do que o registrado no ano anterior, quando foram contabilizadas 1.351 mortes, segundo um levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) publicado nesta segunda-feira (7). "Apesar do leve recuo na incidência de feminicídios, os números permanecem muito elevados, assim como os registros de violência sexual", disse Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ao G1.
O Brasil de Fato entrou em contato com a assessoria do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos solicitando um posicionamento sobre a nota técnica do Inesc. Até o fechamento desta reportagem, no entanto, não houve uma resposta.
Edição: Thalita Pires