Servidores denunciam, em dossiê, sucateamento do Inpa e corte de verba na ciência

Documento que deve ser apresentado neste ano em um fórum na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Brasília (DF)

Servidores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) preparam um dossiê que denuncia problemas de infraestrutura, baixo quadro de pessoal e redução de orçamento no órgão. A reportagem de A CRÍTICA teve acesso ao documento, que ainda está em finalização, e deve ser apresentado neste ano em um fórum na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Brasília (DF).


 


 


Dentre as dificuldades expostas, os servidores consideram a falta de quadro como o maior dos problemas por ocasionar abandono dos laboratórios. Uma planilha produzida pela Coordenação de Recursos Humanos do órgão mostra que a instituição contava com 769 servidores em 2008, número que caiu para 473 atualmente. É uma perda de 38,49% da força de trabalho em 14 anos.


 


 


Além disso, dos 473 servidores ativos atualmente, mais da metade (56%) já recebe abono de permanência, benefício pago a quem já pode se aposentar, mas escolhe continuar em atuação. Esse número é ainda mais alarmante ao se olhar apenas para pesquisadores: 9 a cada 10 já podem se aposentar.


 


 


Segundo o relatório que acompanha o dossiê acessado pela reportagem, os números representam “uma ameaça de redução imediata de mais de 56% da atual força de trabalho”, o que significaria “a descontinuidade de pesquisas, a expertise acumulada e a dependência tecnológica do Brasil”.


 


 


Infraestrutura


 


 


A reportagem visitou o campus III do Inpa, localizado no conjunto Morada do Sol, Zona Sul de Manaus. Naquela unidade, uma casa de botânica feita de madeira desabou, em 2019, por falta de manutenção, inviabilizando a pesquisa no local.


 


 


“Em 2018 o jornal Folha de São Paulo veio aqui e mostrou como estava a situação dessa casinha, inclusive, que havia risco de desabamento. Nada foi feito e o desabamento aconteceu”, conta a pesquisadora Sonia Alfaia, servidora do Inpa há 33 anos.


 


Sonia Alfaia é servidora do Inpa há 33 anos (Foto: Jeiza Russo)

Sonia Alfaia é servidora do Inpa há 33 anos (Foto: Jeiza Russo)

 


Ao lado da casinha, no estacionamento, havia um pequeno “cemitério” de carros do Inpa. Seis caminhonetes, uma kombi e uma van acumulavam folhas, barro e ferrugem. “A instituição foi ficando sem dinheiro pra manutenção desses veículos e agora estão aí, jogados, ocupando espaço e deixando ainda mais feio o nosso cenário”, comenta Alfaia.

No laboratório de microbiologia do solo, o servidor técnico Manoel Paulino da Costa Filho trabalha com leguminosas da Amazônia. A sala é quente e abafada, mas não se trata de nenhum experimento. É que dos três ar-condicionados, apenas um está funcionando.


 


 


“Já solicitamos o conserto, mas tem mais de mês que está assim. Até prejudica a pesquisa, porque alguns materiais biológicos ficam na geladeira, mas outros são guardados aí [em um depósito na sala]”, afirma.


 


 


Outros servidores entrevistados pela reportagem contaram que vez ou outra precisam tirar dinheiro do próprio bolso para a manutenção predial, como a troca de lâmpadas e até serviços hidráulicos. A reportagem procurou a diretora do Inpa, Antônia Maria Ramos Franco Pereira, para ouvi-la sobre as denúncias recebidas.


 


 


‘Também pago’


 


 


“Eu também pago dos meus laboratórios, sabia? Sou pesquisadora do Inpa há 22 anos e em alguns momentos a gente faz isso mesmo”, disse. A diretora explicou que o órgão teve um problema com a empresa que fazia a manutenção do instituto, o que acabou ocasionando o cenário. “Foi por conta disso, mas o Inpa está com uma mudança, melhorias em torno do planejamento, inclusive, para os próximos 10 anos”, pontua.


 


 


Sobre o baixo quadro de servidores, Antônia diz ser um problema de todo o funcionalismo público, mas que “diretores dos institutos federais e representantes do ministério estão no caminho para tentar resolver”.


 


 


Ela destacou que o Inpa já investiu mais de R$ 100 milhões em 2022 através de projetos científicos, de desenvolvimento e de pesquisa em associação com empresas. Segundo o ex-diretor do Inpa (2006-2014), Adalberto Luis Val, o problema da instituição é histórico e se aprofundou ao longo dos últimos três anos. Ele continua pesquisador na casa.


 


 


“Quando eu estava na direção da casa, já havia esses problemas, mas isso se aprofundou ao longo desses últimos anos. Até conseguimos fazer um concurso em 2012, mas também foi o último”, comenta.


 


 


Redução orçamentária




O Inpa é ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), pasta do governo federal que sofreu um bloqueio de R$ 2,5 bilhões no orçamento deste ano, na última segunda-feira.


 


 


A perda de verba ocorreu em todos os ministérios, mas a Ciência é a que teve o maior valor perdido. Segundo o governo federal, os cortes foram necessários para que a gestão consiga cumprir o teto de gastos – regra econômica vigente no Brasil desde 2017 e que impede o país de gastar mais com despesas públicas do que o ano anterior, corrigido pela inflação.


 


 


Segundo a diretora do Inpa, Antônia Maria Ramos Franco Pereira, o órgão de pesquisa não foi atingido pelos cortes. “Nosso orçamento para este ano é de R$ 38 milhões. Basicamente temos R$ 35 milhões e ao final do ano passado tivemos uma redução, mas o Ministério conseguiu mais R$ 3 milhões”, diz ela.


 


 


Um servidor ligado ao setor administrativo do Inpa, que pediu para não ser identificado, pontuou que um dos problemas é justamente o orçamento continuar na média de R$ 35 milhões. “Com exceção de 2017 e 2021, os extremos de alta e baixa, o orçamento é estável, porém, com os 47% de inflação acumulada dos últimos sete anos, esses R$ 35 milhões não dão conta da demanda”, afirma.


 


 


Para o secretário-geral do Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Amazonas (Sindsep-AM), Walter Matos, a situação no Inpa é apenas “uma fotografia de um filme que são os órgãos públicos da administração pública federal”.


 


 


“Não conheço um órgão da administração pública direta e indireta que tenha feito concurso nos últimos 10 anos. Isso significa uma defasagem muito grande de servidores públicos para a prestação do serviço nessas repartições. A verdade é que esses órgão estão todos sucateados, desmanchados”, comenta.

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