Um ativista foi morto no Brasil a cada 8 dias, revela ONU
Postado
01/02/2021 10H53

Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) a ser divulgado em fevereiro indica que a cada 8 dias um ativista foi morto no Brasil. A informação é do colunista do UOL, Jamil Chade, que tem seu escritório na sede da ONU, em Genebra.
O relatório da ONU, segundo Chade, apresenta o levantamento dos assassinatos entre 2015 e 2019 com registros, no mundo, de 1.323 mortes de defensores de direitos humanos, incluindo 166 mulheres e 22 jovens. Inclui, ainda, no mundo, 45 lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e defensores intersexuais executados.
Na matéria publicada, nesta quinta-feira (28), em seu Twitter, Chade afirma que “um informe da relatoria da ONU sobre defensores de direitos humanos e que será apresentado em fevereiro aos governos irá denunciar os assassinatos de líderes comunitários, ativistas, ambientalistas e defensores de direitos humanos no Brasil”.
O levantamento, segundo ele, foi produzido pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, entre 2015 e 2019, e indica que 174 brasileiros foram executados. O número é o segundo maior do mundo e supera a situação nas Filipinas, com 173 assassinatos. Apenas a Colômbia – diante de sua crise entre paramilitares, governo e ex-guerrilheiros – soma um maior número de mortes, com 397 casos.
“Na prática, os dados revelam que um ativista brasileiro foi morto a cada oito dias e que o país é responsável por mais de 10% de todos os assassinatos desses líderes no mundo no período avaliado”, afirma o jornalista. Ele conta, que o Itamaraty foi procurado pela coluna, mas se manteve em silêncio.
Extermínio de lideranças LGBTQIA+
Preparado pela relatora especial da ONU sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor, o documento dá conta, segundo Chade, que a entidade registrou no mundo 1.323 mortes de defensores, incluindo 166 mulheres e 22 jovens defensores dos direitos humanos. Isso ainda inclui, no mundo, 45 lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e defensores intersexuais mortos entre 2015 e 2019.
O jornalista informa que, “nesse mesmo período, a região da América Latina e do Caribe registrou consistentemente o maior número de defensores assassinados, com 933 do total de 1.323 mortos registrados durante esses anos”.
Na lista contam também México (151), Honduras (73), Guatemala (65), Peru (24), Nicarágua (14) e Venezuela (14). Em outras regiões do mundo, números elevados ainda são encontrados nas Filipinas (173), Índia (53) e Iraque (30).
281 assassinatos em 2019 e o papel dos líderes políticos
O texto de Jamil Chade mostra que, no levantamento, 2019, segundo a ONU, foi um ano especialmente violento, com 281 assassinatos pelo mundo e que este número pode ser inferior à realidade em razão de “um problema profundo de subnotificação e que, de fato, a crise poderia ser ainda maior”.
Para a relatora do documento, “os ataques, incluindo assassinatos de defensores dos direitos humanos, frequentemente vêm em um contexto de violência estrutural e desigualdade, inclusive em sociedades em conflito, e como produto de sistemas patriarcais e heteronormativos”.
“Ameaças e assassinatos frequentemente acontecem quando um contexto negativo foi criado em torno de defensores”, disse. “Isso pode torná-los vulneráveis a ataques”, indicou. A relatora aponta que o papel fundamental nessa violência vem dos líderes políticos. No entendimento dela, se houver uma narrativa positiva por parte da cúpula no poder, os riscos de ataques contra esses ativistas poderiam ser reduzidos. Confira, a seguir, trechos finais da matéria de Jamil Chade:
Governos deveriam proteger ativistas, diz ONU
Os defensores dos direitos humanos que trabalham em algumas questões parecem ser particularmente vulneráveis a ataques. “Alguns dos mais visados são ambientalistas, aqueles que protestam contra a apropriação de terras ou aqueles que defendem os direitos das pessoas, incluindo os povos indígenas, através de objeções aos governos que estão impondo projetos empresariais às comunidades sem o consentimento livre, prévio e informado”, disse.
De fato, uma em cada duas vítimas de assassinatos registrados em 2019 estava trabalhando com comunidades em torno de questões de terra, meio ambiente, impactos das atividades comerciais, pobreza e direitos dos povos indígenas, afrodescendentes e outras minorias.
Para a ONU, a responsabilidade por proteger esses defensores é dos governos. “A não adoção de tais medidas para cumprir as obrigações deve ser considerada pelos organismos internacionais ao determinar as consequências legais do não cumprimento”, alertou a relatora. Ou seja, governantes que não oferecem e garantirem proteção serão responsabilizados legalmente.
Líderes ameaçados ficam sem proteção
O documento ainda traz um exemplo de como ameaças contra líderes comunitários ficam sem a proteção do estado, mesmo que programas existam para garantir a vida desses defensores de direitos humanos.
O caso citado é do cacique Babau, no Brasil. Em 29 de janeiro de 2019, o líder indígena recebeu informações de uma fonte confidencial sobre um plano para assassiná-lo e pelo menos quatro de seus parentes.
“O plano teria sido desenvolvido em uma reunião com agricultores locais e representantes da polícia civil e militar”, diz o documento. “Babau foi formalmente incluído no programa do governo para a proteção dos defensores dos direitos humanos. No entanto, ele aparentemente ainda enfrenta ameaças severas em sua comunidade, e nenhuma investigação foi aberta sobre as supostas ameaças de assassinato”, completou.
Governo Bolsonaro é “motor” da violência, diz movimento social
“Temos verificado um acirramento dos ataques e dos assassinatos de defensores de direitos humanos”, confirmou Glaucia Marinho, coordenadora da Justiça Global. Para ela, a violência contra ativistas no país tem um carácter racial, já que atinge especialmente negros, indígenas e quilombolas.
Segundo a representante da ong, a tendência de violência aumentou a partir de 2019, com o governo de Jair Bolsonaro. “Esse governo é motor para esse cenário de violência. É o próprio governo que fala contra a sociedade civil organizada, contra indígenas e quilombolas. Não por acaso, tem aumentado o número de mortes”, disse Glaucia.
A entidade destaca que o governo federal não mantém um levantamento desses ataques e que tal mapeamento é feito apenas pela sociedade civil.
Glaucia ainda aponta que nem a pandemia da covid-19 interrompeu essa violência e que os mais afetados foram ambientalistas e quem luta por terra. “Os violadores se aproveitaram das medidas de restrição e isolamento social para cometer crimes”, acusa. “Houve um número elevado de invasão de grileiros em terras indígenas”, destacou.
A Justiça Global também revela como esses ataques continuam em 2021. Especialmente preocupante é a situação de mulheres negras defensoras de direitos humanos que foram eleitas nas votações no final de 2020. “Muitas foram alvo de ataques caso assumissem os cargos”, constatou.
Com informações e reprodução da coluna de Jamil Chade/Twitter/UOL
Categoria:Movimentos